sábado, 10 de maio de 2008

O Período Diluviano

Chuva, chuva, chuva. O caminho até Luziânia foi completamente encharcado e tedioso. Fizemos um longo caminho com pouca visibilidade. A chuva começou e todos, como de costume, fecharam completamente as janelas do ônibus. Uma densa colônia de bactérias devia estar se formando naquele momento, com pessoas tossindo, conversando alto, crianças chorando. Olhava pras pessoas e só sentia hálito quente emanando de seus corpos. Nos sonos, nos peidos, nos risos, no silêncio. Tudo vedado, mal dava para saber o que acontecia do lado de fora. Passava regularmente as costas da mão no vidro, mas rapidamente perdia a pouca visibilidade conseguida. As pessoas oscilavam de acordo com a extensão da viagem, que era longa. Muitos entraram e caíram rapidamente no sono. Poucos quilômetros depois estavam despertas e fazendo algo, seja escutando música, conversando, lendo algo. De tempos em tempos, entravam vendedores/as que perderam tudo, que portam alguma doença grave, que ajudam alguma instituição de caridade, alguém que podia estar roubando mas está lá vendendo aquelas balas, aqueles kits, aqueles adesivos. Parece um longo sistema de caronas e vendas donde tudo conflui perfeitamente para que nunca dois vendedores se encontrem. E enquanto isso, dezenas seguem seu itinerário. No meio do mar de chuva.

As águas engoliam as pistas, os pontos de ônibus, as canelas das pessoas. Era um dilúvio de verão, na terra de 14% de umidade relativa do ar na maior parte do ano. As janelas fechadas e completamente embaçadas tornavam impossível saber ao certo o que acontecia do lado de fora. Mas a impressão latente era de que a qualquer momento poderíamos ser tragados pelo mar que se fazia. Estava sentado na altura de uma das rodas e um imenso leque d’água chegava à minha altura. Tudo começara quando largamos o plano piloto. A partir daí, tornou-se impossível saber qual o caminho que o motorista fazia. Qual fosse o trajeto, seguramente muitas mudanças em cima da hora tiveram de ser feitas. Aquele jogo, digamos, “arrojado”, típico de motoristas de ônibus, de retornos em cima da hora, ultrapassagens completamente improváveis e níveis de velocidade impressionantes para um veículo carregado de gentes. O motorista seguia impassível, talvez porque a viagem é longa e ele teria de fazer de qualquer jeito. Então, acaba tocando o phoda-se. Os passageiros tampouco demonstravam algum interesse por aquele dilúvio. Parecia-me que para eles as coisas não soavam tão curiosas.

Casebres, barracos, cidadelas afundadas n’água, tudo contrastando com o clima da minha partida. Quanto mais nos afastávamos do plano piloto, mais intensa a chuva, mais pobre as casas, maior a penúria para as pessoas se locomoverem. Os canteiros centrais entre as duas vias das rodovias vomitavam para o asfalto uma água densa e barrenta, bem como o fazia também as laterais da pista. Enquanto isso esperava, como as dezenas que se empurravam nas paradas de ônibus de tamanho ínfimo. No entanto, não estava ensopado até os ossos, tinha comigo apenas o tédio da viagem. Dormi. Várias vezes vieram pequenos sonhos que se fundiram com o ambiente do ônibus. Acordava de estalo, sem fazer idéia de onde estava. Partia sem saber ao certo como faria para sair dali. Essa era a única certeza, a de sair dali. Aquela chuva esforçava-se para carregar de fertilidade aquela terra bravia e maldita. Esforço digno. Mas não mais para mim. Precisava cair fora. E urgente. A cidade me absorvia como terra árida sorvendo água. Meu tempo se esgotava, para mim mesmo.

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