sábado, 10 de maio de 2008

Da varanda

Por cortesia, preciso fumar na varanda do apartamento, de aproximadamente 1m x 0,5m. Não há muito que se fazer. Mesmo porque mal dá para se movimentar. Na sacada, tem um pequeno varal no canto, restando apenas metade do espaço inicial. No começo, sentava-me desconfortavelmente apoiado no vidro que faz fronteira com a sala do apartamento, mas é assaz desafiador para quem perdeu o pouco que tinha de elasticidade nos últimos anos. Mesmo assim, demorei em traçar outra forma de fumar. Enquanto fazia um pequeno contorcionismo, observava os apartamentos de dois prédios que ficam à minha frente e seus jogos sincrônicos de luzes emanadas das televisões, quase todas no mesmo canal – Globo, creio eu. As noites são bem frescas por estas bandas, sobretudo na varanda. Nos últimos dias, chuvas leves encerraram meu expediente com aquele aroma de cimento molhado subindo até o apartamento.

De dia, é possível observar algum gato pingado jogando bola numa das quadras do condomínio ou escutar a gritaria das crianças no colégio, também dentro do condomínio e em frente à sacada. Ficar observando atrás de grades é algo deveras angustiante, sobretudo por me ver, em grande medida, ilhado. Aqui, no Recreio/Barra, são muito quilômetros longe de civilização. Viver aqui deve ser algo realmente penoso para a mente e o espírito, pois tudo é forçosamente elitista, apartado do mundo. Um misto de estátua da liberdade com arquitetura e urbanismo Miami-Plano-Piloto-Sudoeste-Goiânia. Não paro de pensar em Umberto Eco, na irrealidade do cotidiano. Avenidas largas, com aspecto de rodovia, que me lembram cidades americanas, um Road-movie estilo Paris-Texas ou Little Miss Sunshine. E por todos os cantos ruas gringas, shoppings por todos os lados, prédios que basta mirá-los para saber que cada apartamento custa milhões de reais. Talvez tenha me caído perfeito isso aqui, como uma transição. Ainda me sinto em Brasília quando estou nessa região.

O impacto da cidade não me vem tão grande, porque sinto-me em Metrópolis do Fritz Lang, faltando mesmo só aquela trilha sonora chatíssima. Chegar de noite, de ônibus, aqui, é ver os milhares de pobres que saem de dentro dos shoppings, das casas, dos uniformes, dos baldes e vassouras, dos sorrisos mecânicos, para alguma favela da região. Muita Brasília na veia. O tempo corre e já sei que em breve estarei fora daqui, só não sei para onde vou ainda. E de lotações com funk carioca na veia, de ônibus de direção arrojadíssima e caminhos sinuosos, vou pingando nos lugares, vou sentindo a cidade, vou sendo compreendido por ela e vice-versa. Eu e o tempo acertaremos nossos ponteiros. A grana vai se esvaindo, agonizante, escapando dos dedos, nas passagens, nos metrôs, nos sanduíches vagabundos de dois reais. E em toda parte vejo gente, mulheres, homens, mulheres deliciosas, velhos fumantes inveterados.

Os velhos e velhas fumantes são fascinantes. Pela forma como seguram seus cigarros, como andam, como os acende, sua senilidade exposta no hábito de fumar. Nos pontos de ônibus, nos bares imundos, nas calçadas já gastas por milhões de pés e sonhos investidos nessa cidade. Incrível como as pessoas andam. E mesmo assim parece haver um pavor de andanças muito longas. Pedir informação sobre algum lugar um pouco mais distante para ser feito a pé é o suficiente para te forçarem a pegar um ônibus. É tudo muito longe, supostamente. Mal conhecem a nouvelle capital. Mal sabem a necessidade de perseverar na economia. Mas não há discussão.

Decidi por levar uma cadeira para a varanda e testar sua ergonomia dentro de tão pouco espaço. Finalmente fumei decentemente, os pensamentos saíram melhores.

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