“Agora uma coisa lhe digo. O cara solteiro que aluga uma kit dessa, se fosse eu na sua idade, teria a obrigação de comer muita mulher”. Ele estava sentado num banco alto, uma perna levemente flexionada, as mãos unidas como se segurasse algo de valor, a cabeça apontada para um horizonte imaginário que antevia na parede branca da casa. Este é o meu senhorio, falando assim para mim e sua esposa, 15 anos mais nova, sentada ao seu lado. Essa foi a sabatina para que eu conseguisse sair de um quarto e me mudar pra outro com uma cozinha minúscula e um banheiro improvisado.
A forma como falava era como se me alugasse um apartamento na mansão de playboy, numa casa suntuosa e cheia de mulheres ao redor, e não aquela casa velha com homens seminus. Ele tem quarenta anos e se intitula administrador de imóveis. Não sei qual foi seu exercício fraudulento para conseguir morar nesse cortiço. Ele simplesmente parece trocar a moradia que consegue pelo serviço de “administrar” duas casas velhas em Santa Teresa, fazendo um extra nas pequenas extorsões que faz no preço de cada quarto. Sempre que está só e encontra um grupo de homens, tenta falar de suas aventuras sexuais com mulheres muito mais espetaculares que sua esposa.
Esta é muito jovem, morou aqui com o namorado, ambos projetos fracassados de hippies e, um dia, reza a lenda falada a boca pequena, ele pegou todo o dinheiro dela e caiu fora. Ela, sem dinheiro para pagar, foi se explicar a Stéfano, que resolveu lhe dar uma moradia provisória. Dessa moradia provisória, vieram gêmeos e os dois decidiram se casar. Celina é uma estúpida, fracamente desgarrada de sua eterna adolescência hippie pela obrigação de esposa, que cultua de uma forma velada, com argumentos de ter escolhido (e não ter sido escolhida) viver com um homem maduro e vivido.
Ambos fazem um casal no mínimo patético. Pelas obrigações domésticas de administrarem um cortiço, não possuem uma vida social externa, exceto Celina que possui alguns fantasmas do passado que vezenquando vêm perambular pela casa acompanhados dos dois. Estes aproveitam a ocasião para circular pelos lugares como fazendeiros ricos e patriarcais mostrando suas posses humanas e materiais. Possuem uma relação ambígua com os moradores mais antigos, passando do ódio para a admiração em instantes, numa dependência compartilhada de serem os mais antigos num lugar que transpira o momentâneo.
Talvez pela completa clausura e abnegação do mundo pela obrigação de manterem a incrível casa velha, imunda e mal cuidada, acreditam piamente que seus imóveis são ótimos. Isso talvez seja corroborado pela incrível rotatividade de estrangeiros que não parecem se incomodar tanto com o aspecto mambembe de toda a casa, fato que alimenta uma aura favelada e turística ímpar. Crêem que podem intrometer na sua vida, dar-lhe ordens ou achar coisas, como Stéfano me falando da minha obrigação de comer muitas mulheres, a partir do momento que passei a alugar o lixo da “kit” dele, ou quando Celina veio me dar instruções de como fumar dentro de casa, para não estragar os móveis “novos”, que eles colocaram no quarto para mim.
Stéfano é um tipo corpulento e vaidoso. Acredita-se incrivelmente inteligente e bem sucedido, em relação com os moradores fixos e eternos do cortiço. Atravessa um processo de calvície acentuado e tenta de todas as formas dissimular a força da genética e do tempo em sua cabeça. Quando fala, emposta a voz como se fosse um patriarca a falar para seus filhos, netos e parentes menores e administra uma modulação na voz que o faz sempre parecer saber de todos os assuntos que versa, sempre dando palestras que vão de futebol até a metafísica. Anda pela casa de forma grosseira e tipicamente autoritária. Este lugar é seu território e, tirando as gordas quantias que os estrangeiros que passam curtíssimas temporadas lhes paga, garantindo toda a sua inteligência em saber roubar dinheiro dos estrangeiros, aos outros ele decreta, em geral, uma relação de vassalos. Ordena aos moradores mais antigos e eternos desempregados que façam pequenos reparos na casa, ajudem com mudanças, ou então os mandam tocar música, quando têm convidados.
O mais antigo morador daqui é sambista e possui um projeto para iniciar um bloco de carnaval, o que estimulou bastante Stéfano. Este já planeja iniciar conversas na prefeitura para que o bloco saia a partir do cortiço e desça até a lapa, já pensando nas estratégias de monopolizar a venda de bebidas alcoólicas e, talvez, ganhar um dinheiro extra com o turismo, pensando na perspectiva de ter um bloco carnavalesco saído não somente de Santa Teresa, mas de sua casa. No carnaval passado, fizera da entrada do cortiço um grande botequim, cheio de homens ébrios na entrada da casa, uma perfeita bomba relógio para que a qualquer momento tivesse alguma briga.
Celina decidiu que é uma dona de casa e co-administradora de um empreendimento imobiliário. Vive enclausurada no cortiço, engordando muito, cuidando dos filhos junto com uma menina negra que pegaram para criar em casa. Esse é o discurso proferido por ela (para não soar uma Amélia que engravidou sem querer quando foi fazer um agrado para o cara que lhe deu abrigo) para não soar um aliciamento e trabalho de uma menor. Passa os dias vendo televisão, por onde pode se inteirar do mundo (cruel e) real e ter certeza de que realmente o planeta é uma merda. Seus discursos são patéticos e sua ideologia fede a naftalina. Num misto hippie e fascista, ela vai compondo um mini tratado do espírito humano e toda a sujeira que a rodeia, o que a obriga a ser sempre bondosa e generosa.
Antenada com a última moda nos Estados Unidos e Europa, já tem a certeza de que morrerá de gripe suína, pois a vila recebe muitos estrangeiros. Poderá ter uma morte digna e hype, seguindo as melhores tendências mundiais. Não existe termo melhor para descrevê-la, além de cretina. Propõe assuntos esdrúxulos e os versa como se discursasse para uma platéia, mau hábito que aprendeu com o marido. Veio falar-me outro dia, que as crianças estão perdidas, de acordo com a legislação brasileira, porque o Estatuto da Criança e do Adolescente é um instrumento permissivo para que as crianças que serão os futuros mendigos do país não sejam castigadas da forma merecida. Criança pobre precisa apanhar, mas este instrumento absurdo que o governo criou para proteger pequenos bandidos não as deixa trabalhar para ajudar à pátria e tampouco permite os educativos castigos corporais que essas crianças merecem por não terem tido pais que tivessem garantido essa parte elementar da educação de um ser humano.
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3 comentários:
um pocuo cruel mas muito bem redigido!
tipo isso.
Texto com muito estilo, mas cruel é pouco !
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